Gonçalves Dias
SEMPRE ELLA!
Segundos Cantos; Dias, Gonçalves.
1848.
Per noctem quæsivi, quam
deligit anima mea, et non
inveni illam
CANT. CANT.
Eu amo a doce virgem pensativa,
Em cujas faces pallidez se pinta,
Como nos céos a matutina estrella
:
A dor lhe ha desbotado a côr do
rosto,
E o sorriso que lhe roça os
lábios
Murcha ledo sorrir nos lábios
d’outrem.
Tem um timbre de voz que n’alma
echôa,
Tem expressões d'angelica doçura,
E a mente do que as ouve, se
perfuma
De amor ardente e de piedade sancta,
E exala effluvios d'um odor suave
De aloes, de myrrha ou de mais
grato incenso.
E nessas horas, quando amente
afflicta,
De dor occulta remordida, anceia
Desabrochar-se em confidencia
amiga,
« Neste mundo o que sou? — triste
clamava;
« Persica involta em pó, entre
ruínas,
« Erma e sosinha a resolver-me em
pranto!
« Flor desbotada em hastea ja
roída,
« De cujo tronco as outras
amarellas
« Ja rójão sobre o pó, ja murchas
pendem!
« E' sentir e soffrer a minha
vida! »
Merencoria disia, erguendo os
olhos
Aos ceos d'um claro azul que lhes
sorrião!
Náda o mudo alcyon por sobre os
mares,
E proximo a seo fim desata o
canto ;
A rosa do Saarão la se despenha
Nas agoas do Jordão : e como a
rosa,
Como o cysne do mar entre
perfumes,
Aos sons d'uma Harpa interna ella
morria!
E como o pastor que avista a
linda rosa
Nas agoas da corrente, e como o
nauta
Que vê, que escuta o cysne ir-se
embalado,
Sobre as agoas do mar cantando a
morte;
Eu tambem a segui — a rosa, o
cysne
Que lá se foi sumir por clima
extranho.
E depois que meos olhos a
perderão,
Como se perde a estrella em céos
infindos,
Errei por sobre as ondas do
oceano,
Sentei-me a sombra das florestas
virgens,
Procurando apagar a imagem della,
Que tão inteira me ficára n'alma!
Embalde aos céos erguendo os
olhos turvos
Meo astro procurei entre os mais
astros,
Q'outr'ora amiga sina me fadára!
Com brilho embaciado e luz
incerta
Nos ares se perdeo antes do
occaso,
Deixando-me sem norte em mar d'angustias.
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