A INTER-RELIGIOSIDADE DE HERMES E HEKATE
Miniature Bronze Altar to Hekate - Pergamon - circa 50-200 CE
O texto abaixo é um estudo universitário feito por Tricia Magalhães que reune diversas informações sobre Hécate e Hermes, analisando a existência de um paralelo histórico entre estes deuses.
Importantes informações sobre as placas de maldição conhecidas como katádesmós (grego) ou desfixio (latim) se fazem notar, o que apenas por tais provas históricas (vasos, placas, desenhos em pedras) temos expressa a relação entre tais deuses já que não são tão notáveis assim em fontes literárias, tal nos trabalhos de Homero, a exemplo. Entretanto outros escritores fazem pequenas menções:
Em Hesíodo: "Diligente no estábulo com Hermes aumenta / o rebanho de bois e a larga tropa de cabras / e a de ovelhas lanosas, se o quer no seu ânimo, / de poucos avoluma-os e de muitos faz menores."
Vemos também em raras exceções como nas "Elégias" 2.29c de Propércio: "Brimo [Hekate?], Que como diz a lenda, pelas
águas do Boebeis [na Tessália] colocou seu corpo virgem ao lado de Mercurius [Hermes]" .
ou nas "Descrições da Grécia" 1.38.7 de Pausanias: "O herói Eleusis, após qual a cidade [de Eleusis] foi nomeada, alguns afirmam ser um filho de Hermes e de Daíra [Hekate?], Filha de Oceanos".
– Particularmente, o trecho descrito por Propércio me atrai. Hécate Brimo [Βριμω] (A destruidora terrível da vida / Furiosa) é também epíteto de Perséfone, Deméter e Cybele associadas aos Mistérios de Elêusis, contudo observando que o trecho faz menção às águas do Boebeis na Tessália decerto é referenciado a própria Hécate que era bastante cultuada nesta cidade.
Ambos
os deuses eram os líderes dos fantasmas dos mortos, e foram associadas com o tempo da primavera do retorno de Perséfone.
Perséfone, Hermes e Hécate
Cratera-sino de
figuras vermelhas do Pintor de Perséfone.
New York, Metropolitan Museum of Art
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ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I ENCONTRO INTERNACIONAL E II NACIONAL
DE ESTUDOS SOBRE O MEDITERRÂNEO ANTIGO
&
IX JORNADA DE HISTÓRIA ANTIGA
2010
A
INTER-RELIGIOSIDADE DE HERMES E HEKATE
Tricia Magalhães
Carnevale 1(NEA/UERJ)
Na Grécia do período Clássico, séculos V
e IV a.C., assistimos a diversos momentos em que a fé na Justiça é posta em
dúvidas por conta de eventos fatídicos como a Guerra do Peloponeso, a invasão e
dominação de Filipe II da Macedônia, Guerras Médicas, consequentemente a fé nos
deuses é abalada, mas não o suficiente para que impeçam os atenienses de pedir
a ajuda divina, pois cada vitória aumentava a crença nos deuses, como sucedeu-se
às Guerras Médicas: reconstrução dos santuários devastados pelos Persas, a nova
reorganização da Acrópole, reforma nos templos de Hefestos e Dioniso.
Para se vingar de decisões legais
consideradas injustas, o ateniense buscava a ajuda de um magós ou um iniciado
para que este confeccionasse uma imprecação em uma lâmina de chumbo, o
chamado katádesmós.
Defixio tabella com uma maldição opistográfica em Grego contra Kardelos. Chumbo, 4th século EC.
As lâminas apresentam características
peculiares, linguagem própria, que nos permitem uma identificação e
classificação, a saber: “a imprecação contra os processos, a imprecação
contra os ofícios e a imprecação amorosa” (CANDIDO, 2004: 61, grifo
do autor). Uma classificação anterior diz respeito à Ogden (2004, p. 47):
“1.Litígio (incluindo política); 2. Competição; 3. Ofício; 4. Erótica
(separação e atração); 5. Orações por justiça”.
As imprecações incluíam em seu discurso
mágico, além do nome do (s) adversário (s) ou inimigo (s) e as partes do corpo,
a evocação à divindade ctônica, esta última foi o critério para seleção das
lâminas, predominando os katádesmói que evocassem Hermes e Hekate.
A
frequência com a qual os deuses são evocados no discurso mágico das lâminas é
destacada por Gager (1999, p. 12):
“Hermes é de
longe o mais comum; ele é seguido por Hekate, Kore e Perséfone, Hades (também
conhecido como Plutão), Gê/Gaia, “a deusa sagrada”, (em Selinus na Sicília) e
finalmente Deméter (várias vezes citada junto com “os deuses com ela”).”
Dentre as quinze lâminas que analisamos
do período Clássico (segundo Ogden são mais 1.600 conhecidas. (1999, p. 3)),
encontramos duas que trazem Hermes e Hekate juntos. Destacamos este casal como
insólito dentre tantos pares e trios de deuses encontrados nas lâminas porque
enquanto Hermes é um deus Olímpico e Ctônico, Hekate trata-se de uma deusa
Titânica e Ctônica, apresentando juma disparidade em relação aos outros
conjuntos divinos Olímpicos. Questionamos então o que poderia ter levado o mago
a evocar Hermes e Hekate, considerando que Hekate descende de Titãs e não é tão
conhecida, ou pelo menos não é uma divindade tão pública, como os deuses do
Olimpo: Zeus, Hera, Afrodite, Hefesto, Poseidon, Hades, Hermes, Ares, Apolo,
Ártemis, Atena e Dioniso.
Ao levantar a historiografia de Hekate e
Hermes juntos, percebemos que poucos autores estudaram o casal e o fizeram de
forma superficial, como Rudloff2, Sorita D’Este (2006, p. 26), Jimeno (1999, p. 73).
Recorremos então às narrativas míticas de cada divindade e encontramos como
principal ponto comum a qualidade ctônica como os outros autores, entretanto
observando mais de perto encontramos uma lacuna que se fecha ao evocar o casal
e nenhum dos autores revelou.
Os autores se referem às qualidades
ctônicas de Hermes e Hekate como referencial para sua evocação nas lâminas,
porém há uma qualidade que encontramos em abundância em Hermes e inexiste em
Hekate: o contato com os mortais. Homero (VIII) tornou público na Ilíada (VIII)
essa especificidade humana de Hermes, ele retrata o desejo de Zeus falando ao
seu filho Hermes, quando o envia junto ao rei Príamo buscar o corpo do filho
Héctor no acampamento de Aquiles3:
“Este, com dó do ancião, diz a
Hermes: “Filho, tens grande gosto em escoltar os humanos e em dar ouvido
aqueles todos os que te agradam. Guia, pois, Príamo às naves côncavas dos Aqueus.
Que nenhum deles, porém, o veja ou o tenha em mente, antes que chegue ao
Peleide.”
Neste ponto localizamos nossa lacuna, o
elemento que une Hermes e Hekate nas lâminas: o homem. Hermes apresenta muito
contato com os homens, assim como Dioniso, que não é evocado nas lâminas.
Hermes transpassa os três mundos: os dos deuses, os dos homens e os dos mortos,
ao contrário de Hekate que se encontra no Mundo Subterrâneo, mas não presa no
Tártaro junto aos outros Titãs aprisionados durante a Titanomaquia, pois lutou
bravamente ao lado de Zeus.
Acreditamos que as divindades ctônicas
Hermes e Hekate juntas encerram um ciclo mágico-religioso poderoso contra
qualquer inimigo/adversário que se quisesse prejudicar ou vingar, enquanto
Hermes domina o mundo dos homens e descende do mundo dos deuses olimpianos,
Hekate permite o uso de almas desgraçadas no Mundo Subterrâneo para que se faça
o mal a aquele que se crê inimigo.
Segue
a narrativa mítica de Hermes e Hekate.
Hekate
“ (...)Astéria de propício nome,
que Perses conduziu um dia a seu
palácio e
desposou, e fecundada pariu
Hekate a quem mais Zeus
Cronida honrou e concedeu
esplêndidos dons (...)”
(HESÍODO,
Teogonia, versos 409 a 412).
Hekate.
Pintura
neo-clássica de William Blake, 1795.
Descendente de Titãs ou filha de
Perséfone como sugere Gager (1999, p. 90), Hekate é dotada de inúmeros
epítetos. Hesíodo compõe para ela um Hino em sua obra Teogonia. Ali exalta suas
qualidades jurídicas como a eloqüência, é ela quem concede a vitória nos
combates e jogos.
Apesar de alguns especialistas afirmarem
que Hekate não possui um mito próprio, sendo constituída pelas suas “funções e
os seus atributos do que pelas lendas em que intervém” (GRIMAL, 2000, p. 193)
ou ainda considerada “aparentada à Ártemis” (BRANDÃO, 1987, p. 273) levando-nos
a acreditar que este cotejo bastaria para explicá-la, mas continuamos em busca
de um mito para Hekate. Pois se considerarmos que as feiticeiras da Idade Média
foram inspiradas em Hekate, torna-se relevante estabelecer qual Hekate
estaremos tratando, porém não cabe uma abordagem para esta temática aqui a qual
será apresentada no próximo trabalho.
Apoiados por outros estudiosos como René
Ménard (1991, p. 148) e Carlos Parada4 contam que Hekate participou da
Titanomaquia e depois da Gigantomaquia, batalhas importantes para a firmação de
sua identidade. Considerada “suprema, tanto no céu (Olimpo) quanto no Mundo
Subterrâneo (Hades)” (PARADA, 1997), consoante a Karl Kerényi (1980, p. 35 e
36) “(...) era uma poderosa deusa tripla. Zeus a reverenciava acima de todas as
outras e deixava-a partilhar da terra, do mar e do céu estrelado (...)”.
Segundo estes autores, Hekate e os outros deuses que participaram da luta contra
os Gigantes, foram agraciados de diversas formas, e Hekate manteve os poderes e
domínios que tinha desde a época dos Titãs.
Curiosamente encontramos uma versão
sobre Hekate, um mito, do historiador siciliano posterior ao nosso recorte
temporal, Diodorus Siculus5
o
qual nos relata assim:
“E Perses teve uma filha Hecate, a qual
ultrapassou seu pai na ousadia e na ilegalidade; ela também apreciava caçadas,
e quando não tinha sorte direcionava suas flechas para os humanos invés das
bestas. Iniciando com semelhante habilidade na mistura de venenos mortais ela
descobriu a droga chamada acônito e esgotou a força de cada veneno misturando-o
na comida e dando a estranhos. E desde que ela teve em seu poder grande
experiência em semelhantes assuntos ela primeiro de tudo envenenou seu pai e
assim sucedeu ao trono, e então, edificou um templo à Ártemis e ordenava que os
estranhos os quais chegassem lá deveriam ser sacrificados para a deusa, ela se
tornou reconhecida bem mais e amplamente pela sua crueldade.” 6
Nessa versão percebemos a origem de
Hekate ligada à feitiçaria, à magia, e harmonizando com Diodorus, temos Guil
Jones7, da
Encyclopedia Mythica, que lhe atribui além da magia, as encruzilhadas. Ainda
nesta versão encontramos uma referência à droga que Hekate descobriu, o
acônito, que segundo Ovídio8, em Metamorfoses, veio da espuma saída da boca de
Cérbero quando Heracles o tirou do Mundo Subterrâneo, isto acabou por demarcar
a entrada para o mundo de Hades onde cresce este veneno, em Heraclea, próximo
ao Mar Negro. Na versão de Diodorus ainda não foi possível ainda encontrar
ligação entre Hekate e a Gigantomaquia e Titanomaquia como em outros
historiadores.
É importante relacionar Hekate à essas
batalhas. Na Titanomaquia, que durou 100 anos, foi onde Hekate preservou seus
poderes como descendente de Titãs e na Gigantomaquia ficou caracterizada com
seus archotes, segundo Carlos Parada (1997) autor do Genealogical Guide to
Greek Mythology, Hekate matou o Gigante Clítio com seus dois archotes.
Esses archotes têm, no entanto, ligação
com o retorno de Perséfone e com a magia, segundo Pierre Grimal (2000, p. 193)
era com eles, um em cada mão, que Hekate aparecia aos magos e às feiticeiras,
nos vasos gregos da época é possível encontrar Hekate guiando o retorno de
Perséfone do Mundo subterrâneo com seus dois archotes.
Além dos archotes, Hekate ainda podia
ter a tríplice forma e estar acompanhada de alguns animais, ou ainda como
afirma Brandão (1987, p. 273) e Grimal (2000, p. 193) aparecer aos magos e
feiticeiras sob estas formas: égua, cadela, loba. Sobre os animais que a
acompanhavam Carlos Parada (1997) nos faz um retrato sombrio de Hekate quando a
conecta ao Mundo Subterrâneo: “a deusa carregava espadas e possuía em seu ombro
esquerdo a cabeça de um cavalo, no direito a de uma cadela furiosa e ao centro
uma serpente selvagem”. Mas a maioria dos autores afirma que Hekate era
acompanhada por uma alcatéia ou matilha de lobas ou cadelas pretas. Principalmente
à noite e em encruzilhadas.
Hekate também regia as encruzilhadas por
estas, segundo Grimal, serem lugares próprios da magia, nessas mesmas
encruzilhadas erguiam-se estátuas de Hekate Tríplice ou Trívia e colocavam-se
oferendas. Brandão (1987, p 274) corrobora esta versão de Grimal: “ (...)
porque cada decisão a se tomar num trívio postula não apenas uma direção
horizontal na superfície da terra, mas antes e especialmente uma direção
vertical para um ou para outro dos níveis de vida escolhidos.” Junito afirma
ainda que pela deusa se apresentar ctônia, é cultuada nas encruzilhadas, e como
características dessa qualificação, ela engloba as três dimensões: “o infernal,
o telúrico e o celeste”, numa linguagem mais condizente à realidade da Grécia
Antiga, seria o Mundo Subterrâneo, o Mundo dos Vivos e o Olimpo.
Foi
encontrado um templo dedicado à Hekate, localizado na atual Turquia, em Mugla,
na região denominada Lagina:
Templo de Hekate.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Lagina
Lagina.
Fonte: http://www.lagina.org/
Templo de Hekate.
Fonte: http://www.archaeology-classic.com/images/
lagina1.jpg
Templo
de Hekate.
Fonte:
http://en.wikipedia.org/wiki/Lagina
Foi encontrado também na Turquia um
templo a Zeus cujo friso traz a Gigantomaquia e Hékate derrotando o gigante
Clítio com seu archote, note o cão ou cadela aos pés de Hekate mordendo o
gigante. A parte frontal do Altar Pergamon foi reconstruída no Pergamon Museum
em Berlim 9.
Altar
de Zeus.
Pergamon
Acropolis, séc II a.C., Bergama, Turquia.
Hekate apresenta qualidades que a
definem em diferentes momentos para evocações específicas, são os chamados
epítetos. Baseado nos estudos de Robert Von Rudloff temos:
Propylaia – guardiã das entradas – oferece proteção
ao mal exterior para que este não entre nos templos e casas. Ergue-se uma
estátua ou um pequeno santuário nos templos de várias divindades principalmente
no templo de Deméter e, na porta das casas coloca-se uma estatueta de Hekate.
Própolos – a assistente que conduz – epíteto
reconhecido em vasos gregos na pintura em que Hekate guia Perséfone de volta à
sua mãe Deméter, Rudloff acredita que Hekate com este epíteto era como uma guia
para os novatos nos Mistérios de Deméter e Perséfone, e que talvez aí estivesse
o significado da Hekate Tríplice: mulher solteira (Hekate), recém-casada
(Perséfone) e mãe (Démeter).
Phósphoros – iluminadora ou portadora de
tochas – este
é segundo Rudloff, o epíteto mais comum de Hekate e diferencial, pois várias
divindades carregam uma tocha somente, poucas como Hekate são identificadas com
duas. Rudloff nos dá uma idéia de continuidade entre este epíteto e o anterior
(Propolos), pois acredita que as tochas e o título sejam originais e
mais tarde associados à Hekate Propolos.
Kourotróphos – enfermeira de crianças– segundo o autor
é um título comum a muitos deuses e é freqüentemente aplicado aos deuses que
regem o parto.
Chthonia – da Terra – quase todas as
divindades gregas podem carregar este título, pois qualifica a fertilidade, as
colheitas, o parto, o destino e a morte. Rudloff acredita que a ênfase dada a
este título para Hekate foi propositalmente à intenção de diferenciá-la de
Artêmis. E também graças a esse epíteto que Hekate se relacionou com outras
divindades ctônicas como Hermes, Perséfone e Cérbero. Uma outra forte ligação
que podemos traçar com sua aparição nas lâminas de imprecações.
Quase todos os epítetos de Hekate se
relacionam entre si, têm alguma ligação. Seu mito descrito pelo historiador
Diodorus vai em oposição à idéia de Brandão e Grimal de que Hekate não possui
um mito. Assim como os outros deuses, ela apresenta diferentes versões, mas
sempre há um mito envolvendo-a mesmo que seja em papel de coadjuvante.
Hekate realmente mostra-se uma deusa
propícia a estar presente nas lâminas: possui mais poderes que Zeus - e os
gregos sabiam disso, pois desde bebês ouvem as mitologias e aventuras cuja
maior referência foi Homero e Hesíodo - possui ligação com o Mundo dos Mortos,
dos Vivos e do Olimpo, e por seus títulos podemos em um primeiro momento
acreditar na ligação entre Hekate e os homens, entretanto a deusa protege,
vigia, ajuda sem nunca entrar em contato direto com os homens como Hermes.
Sua árvore genealógica segue a linha dos
primeiros imortais na Terra: Filha de Perses e Astéria, ambos descendentes dos
Titãs. Perses nasceu da união de Eurybia e do Titã Krios enquanto Astéria descende
dos Titãs Koios e Phoibe (ver Anexo 02).
Hermes
Io
(disfarçada de vaca), Hermes e Argos.
Por:
DiegoVelazquez, c. 1669.
Fonte:
http://www.hellenica.de/Griechenland/Mythos/ArgusJDiegoVelazquez.html
“Hermes é o filho de Zeus e de Maia, a
mais jovem das Plêiades. Nasceu numa caverna, no cimo do monte Cilene, no Sul
da Arcádia. Maia concebera-o de Zeus em plena noite, enquanto os deuses e os
homens dormiam” (GRIMAL,
2000, p.223).
É uma divindade assim como Hekate,
ligada ao Mundo Subterrâneo e ao Mundo dos Mortos que possui também distintos
atributos. Seu mito envolve muitas peraltices.
Assim que nasce solta-se das faixas em
que se encontrava enrolado (costume para com os recém-nascidos) se dirige à
Tessália onde seu irmão por parte de pai, Apolo guardava o rebanho de Admeto.
Bastou uma distração de Apolo para que Hermes roubasse-lhe parte do rebanho.
Para disfarçar a pegada dos animais, amarrou em cada cauda um ramo de folhas e
levou o rebanho para um passeio por toda a Grécia até chegar em Pilos, ninguém
o viu, apenas um velho o qual tentou comprar seu silêncio. Em Pilos, Hermes
sacrificou dois dos animais e cortou-os em doze pedaços, um para cada deus do
Olimpo, inclusive ele, o resto do rebanho ele escondeu e retornou à sua caverna
em Cilene. Quando chegou à entrada da caverna viu uma tartaruga, não pensou
duas vezes, esvaziou-a e com os intestinos dos bois sacrificados fez as cordas
da primeira lira. Apolo procurou o rebanho por toda a parte até chegar a Pilos
onde o velho revela o esconderijo do rebanho. Diz ainda que Apolo através de
sua arte adivinhatória soubera do ocorrido pelo vôo dos pássaros. Apolo reclama
com Maia que mostra Hermes quietinho, enroladinho em suas faixas. Apolo então
recorre a Zeus, mas nesse ínterim, Apolo ouve o lindo som da lira de Hermes e
troca o rebanho por ela.
Apolo
também ganha a flauta que Hermes inventa enquanto guardava o rebanho que agora
lhe pertencia. Apolo oferece o caduceu de ouro em troca da flauta, mas Hermes
também faz um pedido, lições de adivinhação, Apolo aceitou. Hermes agora tinha
o caduceu e a arte de adivinhação através de pedrinhas. Zeus sabendo destas
proezas nomeia Hermes mensageiro particular seu e de Hades e Perséfone.
O
Julgamento de Páris, 1639 por Peter Paul Rubens.
Bridgeman Art Library / Prado, Madrid, Espanha
Fonte:
http://www.bridgemanartondemand.com/index.cfm?event=catalogue.product&productID=102633
Este mito foi contado segundo Pierre
Grimal o qual também afirma serem estes “mitos de infância” os únicos em que
Hermes tem papel principal. Hermes participou da Gigantomaquia, salvou Ares e
Zeus, usando suas habilidades sorrateiras, discretas, imperceptíveis, regatou
Ares do barril em que estava preso e restituiu a Zeus seus tendões para que continuasse
a luta. Hermes também ajuda os heróis Ulisses e Heracles, salva Io (amante de
Zeus) da fúria de Hera que mas exige a vaca como presente e coloca Argos, de
cem olhos, para vigiar-lhe, porém Hermes a salvou de Argos, fazendo-o adormecer
seus cem olhos e mata-o com uma pedrada. É encarregado por Zeus de esconder
Dioniso de Hera. Hermes é quem conduz Páris para ser juiz da disputa de beleza
entre Atena, Afrodite e Hera.
Temos várias atuações de Hermes, e
através delas podemos qualificá-lo tal como Hekate. Um dos epítetos de Hermes é
o Crióforos, aquele que protege o rebanho, estimula a reprodução junto à
Hekate nos estábulos como disse Hesíodo (Teogonia, v.444 a 447). Também é
conhecido por protetor dos ladrões e do comércio, ligando este título ao furto
do rebanho e à maneira de negociar, lidar com todos, percebemos a eloqüência,
dom necessário para ser orador no tribunal, como aparece em muitas lâminas
pedidos a Hermes para que o adversário tenha sua língua e seu corpo paralisado
para que não atuem no tribunal. Sua malandragem pode ser percebida ao tentar
comprar o silêncio do velho Bato no momento que passa por Pilos para esconder o
rebanho, e ao fazer negócios com outros deuses.
Por
vezes também é denominado Hermes Ctônico, sendo o único mensageiro a atravessar
as três dimensões o Hermes Psychopompós (BURKERT, 1993, p. 312), aquele
que guia as almas dos mortos ao Mundo subterrâneo.
Hermes era representado fundamentalmente
calçado com sandálias aladas, o pétaso na cabeça – espécie de chapéu alado - e
em uma das mãos o kerykeiôn – bastão de arauto de ouro dado a Hermes por Apolo
em troca da flauta. Suas sandálias aladas eram um símbolo de elevação mística,
domínio dos três mundos, característica da sua regência pelas estradas. Seu
chapéu significa, tal como a coroa de um rei, poder e autoridade. Seu caduceu
pode ser interpretado como símbolo da paz, do equilíbrio e antagonismo, pelas
duas serpentes representarem opostos, diurno e noturno, esquerda e direita,
além da serpente ser um animal ctônico com duplo aspecto simbólico: benefícios
e malefícios. Na época Clássica este caduceu recebeu uma significação ctônica.
Com seu caduceu, conta Georges Hacquard,
Hermes “separou, um dia, duas serpentes envolvidas em luta. Estas, cessando imediatamente
a sua querela, entrelaçaram-se no caiado, dando origem ao famoso
"caduceu", símbolo por excelência da paz” (HACQUARD, 1990, p. 163).
Protegendo os comerciantes, profissão que exige o mínimo de capacidade de
argumentação, Hermes se transformou no deus da eloqüência assim como Hekate.
Ainda em Hacquard, “ele foi, sobretudo, venerado pelos atletas, na sua
qualidade de inventor da corrida a pé e do pugilato”. Hermes não é o mesmo que
Hermes Trimegisto, personificação do deus egípcio Thot, inventor das artes, das
ciências e da magia.
É também tido com um inventor dentre
outras, do sacrifício, ao interpretar de outra maneira o mito de Hermes
relacionado ao roubo do rebanho sagrado de Apolo e o sacrifício de dois destes
animais roubados, esquartejando-os em doze pedaços, um para cada um dos deuses
do Olimpo, já incluído ele mesmo, escondendo o resto do rebanho. Seu nome,
segundo Burkert, advém da palavra herma, que significa um amontoado de
pedras criado artificialmente. Eram postos em encruzilhadas para demarcar o
território, assim Hermes ganha outra função, protetor dos viajantes tal como
Hekate. Por vezes faziam libações nestas hermas, criando mais vínculos com
Hermes.
Hermes era uma divindade que de alguma
forma se mostrava singular entre os atenienses, sendo para eles importante ter
esse deus próximo, pois teve vários mitos e transformações como é o Hermes
Trimegisto.
Moeda
Boliviana, 1911.
Fonte:
http://www.monedasbolivia.com/billetes2.html (site fora do ar)
Sobreviveu até o séc. XVIII d.C., senão
até os dias atuais. Hermes aparece em notas de dinheiro, em cartas de crédito,
ações financeiras, de vários países como França, Canadá, Bolívia (v. figura),
Espanha, antiga Iugoslávia10. Na Bolívia,
Hermes aparece em 1911, e o mais interessante é que esta nota fora impressa na
Itália, o que nos leva a questionar por que a Bolívia iria imprimir em seu
dinheiro uma divindade grega e não uma divindade própria boliviana.
Acreditamos que a idéia de estampar
Hermes nas notas tenha vindo de um grupo menor, porém mais abastado tanto em
recursos financeiros como em acesso à fontes literárias, em oposição à
população boliviana com menos recursos, que provavelmente desconhecia Hermes,
uma divindade grega, bem distante da realidade boliviana.
Considerações Finais
A partir do discurso mágico da lâmina
afrontamos ao mundo uma nova visão sobre o casal Hermes e Hakate. Acreditamos
que o homem, o ser mortal que adora aos deuses foi a lacuna, agora preenchida
que havia para a compreensão de evocar Hermes e Hekate na mesma lâmina. O mesmo
katádesmos que iria atingir o homem, e que funcionava, como já dizia
Gager (1999, p. 24):
Seu sucesso e eficácia também explica
porque elas eram tratadas como ilegais ou perigosas. Perigosas não porque
sempre intencionavam danos, mas porque elas funcionavam. Melhor ainda, elas
funcionavam de modo que não podiam ser controladas pelos centros legal, social,
e político da sociedade antiga
A magia no período Clássico entre os
atenienses, “era vista como um meio para a intervenção divina” (grifo nosso) como
afirma Peter Jones (1997, p.101) ela servia como canal para a manifestação do
poder divino, ajudando o solicitante a obter sua vingança, já que o mesmo se
sentia prejudicado e sem recursos que o atendessem na resolução de seus
problemas. Assim fecha-se o ciclo mágico-religioso que a lâmina despertou a fim
de vingar seu solicitante.
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NOTAS:
1 Orientadora: Profª. Dr.ª. Maria Regina
Candido (PPGHC/UFRJ - NEA/PPGH/UERJ). Linha de pesquisa registrada pelo CNPQ: Religião,
Mito e Magia no Mediterrâneo Antigo. Email para contato: tricia@uerj.br
2 RUDLOFF, R. Hekate in Early Greek Religion.
Disponível em
.
Acesso em: abril de 2005
3 HOMERO. A Ilíada. Vol. II.
Tradução Haroldo de Campos. São Paulo: Arx, 2002. Pág. 459
4 O trabalho de Carlos Parada aqui
referido faz parte do: Greek Mythology Link.(1997)
Disponível em <
http://homepage.mac.com/cparada/GML/Hecate.html>
Carlos Parada é autor do Genealogical
Guide to Greek Mythology, 1993
5 Historiador
siciliano que viveu entre 90 e 21 a.C.
(http://www.unrv.com/culture/diodorus-siculus.php).
6 “And Perses had a daughter Hecatê, who surpassed her
father in boldness and lawlessness; she was also fond of hunting, and when she
had no luck she would turn her arrows upon human beings instead of the beasts.
Being likewise ingenious in the mixing of deadly poisons she discovered the
drug called aconite and tired out the strength of each poison by mixing it in
the food given to the strangers. And since she possessed great experience in
such matters she first of all poisoned her father and so succeeded to the
throne, and then, founding a temple of Artemis and commanding that strangers
who landed there should be sacrificed to the goddess, she became known far and
wide for her cruelty.” (Diodorus Siculus, 90-21 a.C., Library Book IV. 40 -58
versos 4.45.2)
7 In: "Hecate." Encyclopedia Mythica from
Encyclopedia Mythica Online. http://www.pantheon.org/articles/h/hecate.html
8 Poeta latino que viveu no séc. I a.C.
9Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Pergamon_Altar
10 Retirado de um site que conta a história
do dinheiro e notas promissórias, cartas de crédito, etc.:
http://www.hugovandermolen.nl/scripophily/banksworldwide.php.
DOCUMENTAÇÃO
Imagem
do Lécito Semiótica 01: http://www.perseus.tufts.edu / 2004.
Imagem
da Cratera Semiótica 02: http://www.metmuseum.org / 2004.
Imagem
da Cratera Semiótica 03:
http://www.perseus.tufts.edu
/ 2005.
http://www.utexas.edu/courses/mythmoore/imagefiles11/hadesscenes.html
/ 2005
Imagem
da Cratera Semiótica 04: http://www.metmuseum.org / 2005.
Imagem
da Lagina:
http://en.wikipedia.org/wiki/Lagina
http://www.archaeology-classic.com/images/lagina1.jpg
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
AUGÉ,
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Clarisse Meireles e Leneide Duarte. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
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Sobre
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Mapa
de Mugla (Turquia):
http://www.jimdiamondmd.com/photogallery/Map%20Greece.jpg
ANEXO 02– Árvore Genealógica de Hekate
GAIA (Terra)
URANO (Céu) PONTOS (Mar) TITÃS (12) Cíclopes (3) Nereus,Thaumas, Phorkys, Keto,
Aigaios, Telkhines (4), Halia, Karybdis Hekatonkheires (3) KRIOS PHOIBE KOIOS
ASTERIA Leto Letantos (?) EURYBIA PERSES Astraios Pallas HEKATE